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A indústria do tabaco no Brasil e a COP11

A indústria do tabaco no Brasil articula estratégias para influenciar a posição do país na COP11, contrariando o Artigo 5.3 da CQCT, que protege políticas públicas de interesses comerciais. Este texto detalha como setor produtivo, parlamentares e governos locais têm atuado nesse sentido

Raquel Gurgel, Cetab/ENSP/Fiocruz

30 de outubro de 2025

1. O que é a CQCT e o que são as COPs

A Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT)1 é um tratado internacional negociado sob os auspícios da Organização Mundial da Saúde (OMS) em resposta à globalização da epidemia de tabagismo. Adotada pela Assembleia Mundial da Saúde em 2003 e em vigor internacionalmente desde 2005,2 a Convenção já foi ratificada pelo Brasil e por mais quase 190 países,3 que são chamados de “Estados Partes”. 

O tratado estabelece uma série de medidas a serem implementadas por esses países e é juridicamente vinculante, ou seja, as Partes têm a obrigação legal de cumpri-lo.

Para tomar as decisões necessárias para a implementação eficaz da CQCT e acompanhar essa implementação, foi instituída a Conferência das Partes (COP), que é o órgão de governança da CQCT. A COP pode adotar protocolos, anexos e emendas ao tratado, além de criar grupos de trabalho ou de especialistas para elaborar diretrizes e recomendações.4

A cada dois anos, são realizadas as sessões ordinárias da COP, que, em 2025, acontece entre 17 e 22 de novembro em Genebra, na Suíça.

2. Por que a indústria do tabaco não pode participar das sessões da COP?

Pessoas ligadas à indústria do tabaco não podem participar das sessões porque o tratado estabelece, em seu Artigo 5.3, que as Partes devem proteger suas políticas de controle do tabaco dos interesses da indústria1 — e essas políticas são justamente o centro dos debates e decisões das COPs.

A existência da indústria do tabaco está condicionada a tentativas de ampliar o consumo de seus produtos e seu lucro, portanto, seus interesses são irreconciliáveis com os da saúde pública. Logo, sua presença nesses espaços representaria um evidente conflito de interesse. Da mesma forma, parlamentares alinhados à indústria também não podem participar das sessões. 

3. A movimentação da indústria no Brasil para a COP11

As tentativas de interferência da indústria do tabaco sobre as discussões da COP11 têm acontecido em diversos âmbitos no Brasil:

a. Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Tabaco

Existe no Brasil uma série de Câmaras Setoriais criadas pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) — trata-se de foros de interlocução entre o setor público e o privado que identificam oportunidades de desenvolvimento das cadeias produtivas, definindo ações prioritárias para o agronegócio.5 As Câmaras integram o Conselho Nacional de Agricultura, que, por sua vez, assessora o Mapa em assuntos relativos à política agrícola, em particular a política de apoio aos diversos setores agrícolas.6 Em relação ao setor do tabaco, é importante observar que o Banco Central veta a concessão de recursos via Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) para a produção de fumo, quando desenvolvida em regime de parceria ou integração com a indústria fumageira.7 

A Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Tabaco foi instituída oficialmente pelo Mapa em 2004.8 Hoje, ela é formada por 15 membros, entre os quais estão representantes da Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo), do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (SindiTabaco), da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), e da Associação dos Municípios Produtores de Tabaco (Amprotabaco).9 O atual presidente é Romeu Schneider, secretário da Afubra.10 

Desde sua criação, a Câmara tem atuado para o desenvolvimento da indústria do tabaco e a promoção de seus produtos — consequentemente, contra as políticas de controle do tabagismo. Nas palavras do seu presidente, a Câmara “buscou impedir a aprovação da ratificação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco pelo Brasil”, reunindo-se com deputados e senadores e realizando audiências públicas com esse objetivo.11

O órgão tem debatido oficialmente a COP11 pelo menos desde abril, quando decidiu criar um Grupo de Trabalho para tratar de ações e medidas visando à participação mais ativa dos produtores de tabaco nas discussões em Genebra.12 Três meses depois, seus membros abordaram em reunião fechada as mobilizações realizadas pelo setor para a COP junto ao governo federal e aos principais estados produtores.13

Em maio, o presidente da Câmara visitou o embaixador Tovar da Silva Nunes, chefe da Delegação Permanente do Brasil junto às Nações Unidas em Genebra, para tratar da COP11. Junto a Schneider, na comitiva, estavam representantes de outros membros da Câmara, como a Afubra e o SindiTabaco. O teor do encontro foi noticiado pelo SindiTabaco14 e amplamente disseminado por veículos de comunicação das regiões produtoras de fumo.15 16 17 18

De acordo com as notícias, o grupo apresentou ao embaixador números do setor fumageiro no Brasil e argumentou que a promoção de alternativas à fumicultura impacta “diretamente” o modo de vida das famílias produtoras. Além disso, a comitiva defendeu a legalização dos dispositivos eletrônicos para fumar (DEF) no país.

Segundo Valmor Thesing, presidente do SindiTabaco, Nunes “se comprometeu a intermediar de forma a promover o diálogo entre as partes”.14  

Já o presidente da Câmara Setorial, Romeu Schneider, afirmou em entrevista ao Programa da Afubra que “o embaixador tem uma opinião bastante bem informada sobre isso, devido à importância da cadeia produtiva do tabaco, mas não é ele que decide isso lá, e sim, é decidido no Brasil, principalmente pelo Ministério de Relações Exteriores e o Ministério da Saúde”, e que os representantes da indústria iriam construir “um diálogo bastante próximo com as autoridades diretamente envolvidas aqui no Brasil, para podermos colocar algumas coisas e principalmente as preocupações, para que não tenham restrições para o setor”.19

b. Câmara dos Deputados

Na Câmara dos Deputados, parlamentares que possuem atuação alinhada aos interesses da indústria têm atuado em diferentes frentes:

Reuniões e audiências públicas

Em julho de 2025, a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara realizou uma audiência pública solicitada pelos deputados federais Rafael Pezenti (MDB-SC) e Heitor Schuch (PSB-RS) com o tema Posição do Brasil na COP11 em Genebra.20

Foram convidados representantes da cadeia produtiva do tabaco e dos governos estaduais de regiões produtoras, além de representantes de alguns ministérios do governo federal. No entanto, destaca-se a ausência de convites a representantes da área da Saúde no requerimento da audiência.20 

Durante o evento, duas propostas de encaminhamento chamaram a atenção:  o deputado Heitor Schuch sugeriu a proposição, de forma oficial, de que o Brasil não participasse da COP11, enquanto o deputado Marcelo Moraes (PL-RS) propôs a extinção da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco e de seus Protocolos (Conicq).21

Além disso, vários participantes defenderam a legalização da produção, venda e uso de DEF e se disseram preocupados com o impacto de futuras decisões da COP11 – como as relacionadas à promoção de alternativas à fumicultura – sobre a cadeia produtiva no Brasil.21

Também em julho, a Comissão de Agricultura realizou uma reunião fechada preparatória para a COP11,22 com a presença de prefeitos da Amprotabaco e de representantes do SindiTabaco e da Afubra.23 

Já em setembro, a mesma Comissão promoveu, em conjunto com a Subcomissão em Defesa do Setor do Tabaco e Acompanhamento da COP11 da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, uma audiência pública durante a Expointer, uma feira agropecuária do estado. Na ocasião, Heitor Schuch informou que seu pedido formal para que o Brasil não enviasse delegação para a COP11 já estava na Casa Civil da Presidência da República.24 

Ainda na Expointer, o presidente do SindiTabaco, Valmor Thesing, reconheceu explicitamente o apoio de determinados parlamentares à indústria, dirigindo-se ao deputado federal Marcelo Moraes e à deputada estadual do Rio Grande do Sul Kelly Moraes (PL): “Marcelo e Kelly, (...), eu gostaria de fazer um pedido para vocês: não baixem a guarda, nossos poucos guerreiros que nós temos. Não baixem a guarda”.24 

Projeto de lei

Em março de 2025, os deputados federais Rafael Pezenti, Heitor Schuch e Marcelo Moraes apresentaram um projeto de lei que, se aprovado, criará uma brecha para a introdução de atores ligados à indústria nas sessões da COP: o PL 877/202525 propõe alterar a composição da Conicq — que representa o governo nas COPs —, de modo que ela inclua, obrigatoriamente, representantes do Congresso Nacional, de produtores rurais, e autoridades dos estados brasileiros com produção relevante em nível nacional.

Requerimentos de informação

Desde julho de 2025, diferentes deputados federais apresentaram 13 requerimentos de informação26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 dirigindo perguntas sobre a COP11 a 12 órgãos ou Ministérios que integram a Conicq. Tais requerimentos são instrumentos formais usados pelos parlamentares para pedirem informações oficiais e detalhadas a ministros de Estado ou outras autoridades subordinadas à Presidência da República. 

Os requerimentos foram solicitados pelos seguintes deputados: Pezenti (MDB-SC), Heitor Schuch (PSB-RS), Alceu Moreira (MDB-RS), Afonso Hamm (PP-RS), Gilson Marques (NOVO-SC), Rodrigo Valadares (UNIÃO-SE), Junio Amaral (PL-MG),  Adriana Ventura (NOVO-SP) e Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP).

Uma pergunta está presente em 12 dos requerimentos: os parlamentares desejam saber se os ministérios têm expectativa de participar da COP11 e qual o nome da pessoa que irá representar cada pasta na Conicq, o que pode ser compreendido como uma estratégia para identificar individualmente os atores que estarão envolvidos nas discussões em Genebra. 

Além disso, um tema relevante que permeia todos os questionários é a mudança da regulamentação dos DEF no Brasil para permitir sua produção, comercialização e marketing. 

Nos requerimentos para o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)26 e para o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa),33 34 por exemplo, há perguntas que fazem referência a um suposto potencial de geração de empregos associados à liberação dos DEF. O requerimento para o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), 29 por sua vez, aventa a possibilidade de que a manutenção de políticas proibitivas quanto aos DEF comprometa a renda das famílias produtoras de folhas de tabaco.

Em suas justificativas, dois requerimentos 26 35 citam números de um estudo encomendado pela BAT Brasil à Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) prevendo que a legalização poderia gerar mais de 100 mil empregos no país, a maior parte deles na agricultura.39 Essa hipótese chama a atenção, considerando que a produção de dispositivos eletrônicos demanda significativamente menos folhas de tabaco do que a fabricação de produtos combustíveis; 40 Segundo cálculos do veículo especializado O Joio e o Trigo baseados em dados de documentos internos da fabricante de cigarros eletrônicos Juul, menos de 100 produtores rurais seriam suficientes para abastecer a demanda projetada pela BAT para um cenário de legalização dos dispositivos no país.41

Também vale destacar o requerimento ao Ministério da Fazenda,27 que aborda o potencial de arrecadação de tributos oriundos da comercialização legal de DEF no Brasil. Ele também cita o estudo encomendado pela BAT Brasil à Fiemg, mencionando que a arrecadação poderia variar de R$ 3,4 bilhões a R$ 7,6 bilhões por ano. Entretanto, essa estimativa desconsidera ao menos duas questões importantes: (a) os potenciais custos da legalização do consumo de DEF para os cofres públicos, levando-se em conta um possível aumento de carga sobre o Sistema Único de Saúde (SUS); e (b) o problema do comércio ilegal, que não é eliminado com a legalização. Nos Estados Unidos, por exemplo, os 34 produtos autorizados para comercialização em 2024 tinham uma participação de mercado de apenas 13,7% em relação ao total de produtos vendidos, ou seja, produtos ilegais ocupavam uma fatia de 86,3% do mercado.42 

O fato de que o comércio ilegal continua sendo um problema em países que legalizaram os DEF também não é levado em consideração nos questionários enviados à Casa Civil 35 e aos ministérios da Defesa 37 e da Justiça e Segurança Pública,32 que relacionam a proibição de DEF ao fortalecimento de organizações criminosas. 

Já o requerimento de informações ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática (MMA)31 julga que a proibição leva a problemas ambientais, uma vez que os produtos ilegais não estão sujeitos à aplicação das normas da Política Nacional de Resíduos Sólidos; o questionário também sugere que a legalização contribuiria para a redução de emissão de gases do efeito estufa, pela ausência de combustão nos produtos. Ambas as premissas são enganosas — em países que legalizaram a comercialização e o uso de DEF, a poluição é uma das maiores preocupações, pois esses produtos são de difícil reciclagem e geram lixo plástico, eletrônico e tóxico,43 44 45 46 47; já a emissão de gases do efeito estufa pela indústria do tabaco se dá predominantemente na produção, e não no consumo.48

c. Governos estaduais

Rio Grande do Sul

Subcomissão na Assembleia Legislativa:

No início de agosto, o deputado estadual do Rio Grande do Sul Marcus Vinícius (PP) anunciou a criação da Subcomissão em Defesa do Setor do Tabaco e Acompanhamento da COP11 na Assembleia Legislativa. Em entrevista ao programa Esquina Democrática, ele disse que o objetivo era “garantir contraponto” às discussões da COP.49 

A Subcomissão foi integrada pelos deputados Pedro Pereira (PSDB), Cláudio Branchieri (Pode) e Zé Nunes (PT), além do relator, o próprio Marcus Vinícius,50 e teve como objetivo construir um relatório para nortear a atuação parlamentar junto aos órgãos estadual e federal e junto às representações brasileiras na COP11.51

Entre setembro e outubro, o grupo promoveu uma série de reuniões regionais em municípios produtores do estado;51 52 53 54 55 uma reunião na capital, Porto Alegre;56 e uma audiência pública em conjunto com a Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados durante a feira agropecuária Expointer, realizada no município de Esteio/RS em setembro.24 57 58 59

Nos encontros, estiveram presentes associações e sindicatos ligados à indústria do tabaco e à fumicultura, como o SindiTabaco, a Afubra e a Abifumo; prefeitos, secretários de agricultura, vereadores e deputados estaduais de regiões produtoras; representações de trabalhadores da agricultura, como a Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS); e em alguns casos, os deputados federais Marcelo Moraes e Heitor Schuch. Representantes de empresas fumageiras, como Philip Morris, Universal Leaf Tobacco e Brasfumo, também estiveram em alguns dos encontros. Além disso, o vice-presidente da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, Afonso Hamm, esteve na audiência pública realizada na Expointer.

Em 8 de outubro, após a finalização dos encontros, o deputado Marcus Vinícius protocolou o relatório final da Subcomissão na Comissão de Economia, Desenvolvimento Sustentável e Turismo da Assembleia Legislativa — o documento se propõe a servir “de base para a posição brasileira” na COP11.60 O relatório, ainda não disponibilizado publicamente, será encaminhado ao Ministério da Saúde, à Casa Civil, ao Ministério da Agricultura e ao Ministério das Relações Exteriores, entre outros órgãos federais.60 61

Segundo a imprensa local, um dos pontos principais do relatório diz respeito à preocupação com a possibilidade de as Partes deliberarem sobre restrições à produção de cigarros com filtros. Marcus Vinícius argumenta que esse tipo de restrição afetaria “toda a cadeia — da produção agrícola à indústria”, embora não detalhe como se daria esse efeito.61 A pauta do banimento dos filtros está relacionada aos impactos ambientais da cadeia produtiva do tabaco, uma vez que, via de regra, os filtros são feitos de material plástico de uso único. Na COP10, uma decisão histórica reconheceu os filtros como plásticos descartáveis desnecessários, evitáveis e problemáticos,62 e um dos documentos preparatórios para a COP11 examinou o banimento de cigarros com filtros como uma das opções regulatórias para lidar com os efeitos ambientais da indústria.63

O relatório propõe ainda uma reformulação da Conicq, de modo a incluir representantes de estados produtores e entidades ligadas à cadeia produtiva do tabaco, e recomenda incluir o tabaco entre os setores base da política nacional de exportações.64 

Projeto de Lei estadual

Em 2 de junho, o deputado Marcus Vinícius apresentou o projeto de lei 177/2025, que declara a fumicultura como atividade de relevante interesse econômico, social e cultural no âmbito no Rio Grande do Sul.65 

Entre outros pontos, o projeto determina que a fumicultura deve ser considerada como atividade estratégica pelos órgãos da administração pública estadual.

No dia em que apresentou o projeto à Comissão de Constituição e Justiça, o deputado afirmou explicitamente que a aprovação iria auxiliar o setor em defesa da cadeia produtiva durante a COP11: “Nós sabemos que o debate lá [na COP11] é sobre o futuro dessa cadeia produtiva. Ter esse projeto aprovado, ter essa declaração aprovada na forma de um texto de lei, sancionado pelo governador do estado, significa que a gente vai ter uma posição institucional do Rio Grande do Sul, algo imutável”, disse.66

d. Governos municipais

Moção de repúdio

Em julho de 2025, a Câmara Municipal do Palmeira, no Paraná, discutiu67 e aprovou68 uma moção de repúdio à inclusão da pauta da produção de tabaco na COP11.69  A moção, proposta pelo vereador Joslei Sequineli (União Brasil), diz ser “inadmissível que decisões de tamanha repercussão sejam tomadas sem a devida participação dos representantes dos produtores” e foi encaminhada à Presidência da República e aos ministérios da Agricultura, Saúde e Relações Exteriores, além de parlamentares e organizações de representação de trabalhadores. 

O Mapa respondeu à moção em setembro,70 informando não haver até o momento documentos da COP11 que tratem diretamente da produção de tabaco. O ofício, assinado pelo secretário de Política Agrícola da pasta, Guilherme Campos, afirma que o ministério “reconhece a relevância econômica e social da fumicultura” para os agricultores e “defenderá os produtores e suas organizações”. Afirma ainda que o ministério irá “registrar ressalvas sempre que houver propostas com impacto relevante sobre a produção agrícola”, exigindo, nesses casos, “análise de impacto e  diálogo com os diretamente afetados”.70 71

Projetos de Lei municipais

Desde julho, projetos de lei que reconhecem a fumicultura como atividade de relevante interesse econômico, social e cultural vêm sendo apresentados — e aprovados — em dezenas de municípios produtores de tabaco. A maior parte dos projetos tem texto idêntico ou muito semelhante ao apresentado no âmbito do estado do Rio Grande do Sul em junho. 

Até 29/10/2025, projetos de lei nesse sentido já haviam sido apresentados em 25 dos 30 municípios que lideram o ranking de maiores produtores de fumo em folha de acordo com a Pesquisa Agrícola Municipal.72 Destes, 22 já foram aprovados.

Três dos projetos mencionam explicitamente a COP11 no texto: os de Ipiranga/PR, Palmeira/PR e Imbituva/PR estabelecem que: “Fica declarado o repúdio às determinações da COP11 (Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco da OMS) que visam a restrição ou proibição do cultivo do fumo, sem oferecer alternativas viáveis aos produtores rurais do município.”

e. Corpo a corpo com delegados da COP

Além da já mencionada visita ao embaixador Tovar da Silva Nunes para tratar da COP11, a indústria se organizou para chegar a outros potenciais representantes do Brasil na Suíça.  

Durante a audiência pública realizada na Expointer pela Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados e pela Subcomissão em Defesa do Setor do Tabaco do Rio Grande do Sul, em setembro, o deputado federal Marcelo Moraes indagou aos participantes qual seria a “nossa estratégia para começar a bater na porta dos ministérios e começar a fazer um trabalho de convencimento sobre a importância que tem a cultura do tabaco, para que a gente possa chegar preparado na Convenção-Quadro (sic) e fazer pressão na Suíça”.24

Na mesma ocasião, Valmor Thesing, presidente do SindiTabaco, falou sobre a movimentação da indústria no sentido de buscar contato com ministérios que fazem parte da Conicq para conseguir apoio: “A gente tá marchando praticamente toda semana lá pra Brasília, e o Edmilson [Alves] lá da Abifumo  abrindo nossas portas, os ministérios nos recebendo, onde nós levamos todas essas informações e pedimos que eles, que têm cadeira na Conicq, eles levem lá um pedido de diálogo”.24

Ainda nessa audiência, o deputado estadual Marcus Vinícius solicitou que se encaminhasse, como pedido dos parlamentares, uma “estratégia de atuação junto ao Ministério das Relações Exteriores para franquear o acesso aos brasileiros que quiserem participar [da COP] ou, no mínimo aos parlamentares que estiverem em missão oficial, com passaporte diplomático”.24 

4. A preservação da integridade das decisões da COP 

Os movimentos recentes da indústria do tabaco e de seus aliados evidenciam uma estratégia ampla e articulada para influenciar as posições do Brasil na COP11, atuando em múltiplas frentes — do poder Legislativo ao Executivo, de governos estaduais e municipais à diplomacia. No entanto, os interesses comerciais da indústria são irreconciliáveis com os da saúde pública.

Permitir que representantes desses interesses tenham acesso a espaços de decisão das Conferências das Partes significaria violar o princípio fundamental do Artigo 5.3 da Convenção.

A experiência mostra que, mesmo diante de restrições formais, a indústria busca influenciar os rumos das negociações por meio de canais indiretos e ações de lobby. O deputado estadual Airton Artus (PDT-RS) deu recentemente um exemplo claro disso ao relatar sua atuação durante conferências anteriores: “Claro, há uma proibição, há uma dificuldade de ação lá. Porém, toda vez que a gente participou, conseguimos, através de ações nos bastidores, interferir na redação final do documento”, afirmou, na audiência pública realizada na Expointer.24

E completou: “Tanto em Seul, na Coreia do Sul [COP5], como em Moscou, na Rússia [COP6], nas duas vezes estava para ser votado um documento com restrição de área de plantio do tabaco. E aí foi feita uma força-tarefa (...) na véspera da redação final, onde nós nos dividimos e fomos atrás do universo dos eleitores, dos que iam subscrever esse documento. Me coube jantar com o ministro da Agricultura da Nicarágua, que era um voto contrário. Tive que puxar meu conhecimento do arroz, um pouquinho da história da geopolítica da América Central para convencer ele a votar contra aquela decisão de restringir o plantio do tabaco. E assim o [Carlos] Palma conseguiu ali pela Souza Cruz [antigo nome da BAT Brasil], o Iro [Schünke, ex-presidente do Sinditabaco] conseguiu, o ‘seu’ Romeu [Schneider, da Afubra] conseguiu, e a gente foi mudando aos poucos, e no outro dia, inclusive fomos festejar comendo um churrasco em Seul — não é tão fácil comer um churrasco coreano — de tão faceiros que nós ficamos com o que nós conseguimos”.24

Esse episódio ilustra de forma didática o risco que a presença — direta ou indireta — da indústria representa para a integridade das decisões tomadas nas COPs. Proteger esses espaços de deliberação é essencial para garantir a independência das políticas de controle do tabaco e a credibilidade dos compromissos assumidos pelos Estados Partes.